quinta-feira, 23 de julho de 2020

O QUE É LUGAR DE FALA?


O QUE É LUGAR DE FALA?

(O TEXTO A SEGUIR TEM COMO REFERÊNCIA A OBRA “O QUE É LUGAR DE FALA?” DA FILÓSOFA FEMINISTA NEGRA DJAMILA RIBEIRO)





Lugar de fala é um conceito filosófico que surge como reação ao discurso homogêneo branco que se enxerga como universal.  Expressões do tipo “todo ser humano é igual”, por exemplo, que visa falar de (ou a partir de) um não-lugar, isto é, se refere a todo e qualquer um, independentemente da raça, gênero, classe social etc., não consegue reconhecer que raça, gênero e classe social é determinante entre as relações humanas e que esse pretenso discurso universalizante fala de um lugar determinado, o lugar do homem branco. Ainda seguindo o exemplo citado acima, para ficar mais clara a exposição, quando se diz que “todo ser humano é igual” e no mundo prático o acesso do negro a universidade é negado, os piores empregos são ocupados por negros, 75% das vítimas de homicídio no Brasil são negras etc., demonstra que essa pretensa universalidade só serve para legitimar o discurso dominante e mantê-lo em seu lugar de privilégio. O lugar de fala representa uma quebra com essa visão “universal”, mostrando que “[...] o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas. [...]. Ao promover uma multiplicidade de vozes o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se pretende universal”.

“Essa insistência em não se perceberem como marcados, em discutir como as identidades foram forjadas no seio de sociedades coloniais, faz com que pessoas brancas, por exemplo, ainda insistam no argumento de que somente elas pensam na coletividade; que pessoas negras, ao reivindicarem suas existências e modos de fazer político e intelectuais, sejam vistas como separatistas ou pensando somente nelas mesmas. Ao persistirem na ideia de que são universais e falam por todos, insistem em falarem pelos outros, quando, na verdade, estão falando de si ao se julgarem universais.”.

            O lugar de fala é o reconhecimento das limitações inerentes ao discurso, é quebra do discurso hegemônico pelas múltiplas vozes, é a desestabilização da norma. Todo discurso é um discurso que parte de um lugar determinado, desta forma, todos temos um lugar de fala. Todos podemos falar sobre qualquer assunto, por exemplo, um homem branco pode falar de racismo, mas ele fala de um lugar determinado, enquanto homem branco com privilégios. O reconhecimento desse lugar possibilita a pluralidade de fala e, por consequência, a escuta de vozes que foram caladas através de uma cultura racista, machista, sexista e homofóbica que se diz universal. 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

FUNDAMENTALISMO CATÓLICO E O OPORTUNISMO PROTESTANTE




A negação da autoridade Papal de Francisco pelos fundamentalistas católicos, sejam leigos ou clérigos, acaba desembocando num alinhamento político moralista com os protestantes que, por sua vez, além de negarem ao mesmo tempo a autoridade Papal (no caso dos protestantes a negação é em si mesma), também negam o discurso progressista do Papa. A linha mais precisa que dividi católicos e protestantes acaba ficando tênue e a política moralista aparece como meio de conciliação. Em toda minha vida protestante acreditei que se existisse alguma conciliação, essa se daria por Cristo e não por César (Bolsonaro); mas estava completamente errado.

Se essa união só se mostra no campo político, todo pensamento hostil permanece no campo religioso. Lembro-me de que quando frequentava os cultos pentecostais os discursos protestantes eram de que os católicos são idólatras, por isso não herdarão o reino de Deus, que o Papa era a besta, que Maria era apenas uma serva como foram todos os outros etc. Particularmente, não via a mesma hostilidade por parte dos católicos, embora existisse em menor grau.

O que os católicos fundamentalistas não percebem é que quanto mais se critica o Papa, mais os protestantes ganham espaço e adesão, seja no descrédito dado ao pontífice, seja nas novas gerações. Hoje sabemos que a comunidade protestante cresce cada vez mais, embora o Brasil seja um país ainda majoritariamente católico. Estima-se que por volta de vinte anos (ou até menos) os protestantes passem estatisticamente dos católicos. Quando os protestantes forem maioria neste país e a política moralista não servir mais de conciliação, não teremos mais fundamentalistas católicos, ou melhor, não teremos igrejas católicas.